O indispensável debate swartziano


Até onde vai um texto?
O último texto deste blog teve uma repercussão inédita, fortemente relacionada com o impacto global do politizado suicídio de Aaron Swartz (1986-2013), ocorrido nos Estados Unidos na sexta-feira, 11/01. Logo após a publicação da reflexão sobre sua morte - resultado de intensas horas de pesquisa na tarde de domingo e profundas reflexões sobre a singular visão de Swartz sobre as transformações contemporâneas e as tentativas de grupos organizados de limitação institucional da liberdade e criatividade humana -, o efeito em rede se materializou. Na segunda-feira, intensificaram-se os compartilhamentos via Facebook. O recado final (fique livre para copiar este texto), alinhado com as ideias do copyleft, produziu então efeitos não esperados.

Na quarta-feira, o editor do Outras Palavras - portal de comunicação compartilhada criado pelos antigos coordenadores da Le Monde Diplomatique Brasil e direcionado a debates político-sociais críticos -, corrigiu pequenos erros no texto e o publicou como matéria de capa do website (cf 'Aaron Swartz, guerrilheiro da Internet livre'). Após a circulação em mailings do Outras Palavras, o texto rapidamente foi lido por mais de mil pessoas de todo o Brasil. Na quinta-feira, o texto apareceu na edição on-line da Revista Forum (ver aqui). No dia seguinte, o texto foi adaptado para o português lusitano e publicado em Portugal no sítio eletrônico Esquerda.net (ver aqui). A partir de então, replicou-se em diversos outras veículos, ora reproduzido integralmente (como no Observatório da Imprensa), ora citado em reflexões de outros autores que se dedicaram à compreensão da morte de Aaron (como no texto da escritora Eliane Brum, da Época, ou do Caio Moretto, do Mistura Indigesta). As republicações seguiram fielmente os termos da licença do Creative Commons, arquitetada por Swartz em sua adolescência: é livre a cópia do conteúdo, desde que para fins não-comerciais, realizada a menção ao autor.

O que isso revela? Analisando a repercussão do texto nos espaços independentes e o debate promovido pela mídia brasileira, chega-se a uma conclusão: a ampla circulação do texto ocorreu não pelo brilhantismo de sua redação, mas sim pelo (i) trágico ato de protesto contra o truculento sistema criminal estadunidense e, principalmente, pela (ii) importância da vida, obra e morte de Aaron Swartz - importância esta ainda desconhecida por quase todos. Este, aliás, foi o erro dos grandes veículos de comunicação: noticiaram a morte de um "programador genial", sendo que este era o aspecto menor da vida de Aaron. 

Se os fatos não forem ocultados, a história provará que Swartz não era somente um gênio da informática, mas sim um sociólogo aplicado, um inovador ativista político e um pensador original, livre de amarras acadêmicas disciplinares. Acima de tudo, como afirmou o amigo e professor Lawrence Lessig em um debate sobre o legado de Swartz, ele será visto como um verdadeiro idealista, no sentido nobre do termo.

Uma proposta para um debate indispensável: qual o legado de Swartz?
Dentre os efeitos positivos gerados pela publicação do texto, o mais interessante - sem dúvidas - foi o convite feito pelo Partido Pirata do Brasil para participar de uma mesa-redonda na Campus Party para discutir a vida e obra de Aaron Swartz. Apesar da magnitude da CP (considerada um dos maiores encontros de tecnologia do mundo), a proposta do debate é modesta. Ele não será realizado em nenhum palco principal, mas sim no Barcamp, que é um espaço aberto para que os participantes possam expor suas ideias. Eis a programação do Partido Pirata: "Quarta 30/01 – 14h00 – Palco Barcamp – Painel em homenagem ao hacker e pirata Aaron Swartz com Tatiana Dias, jornalista do Link Estadão, Rafael Zanatta, mestrando em Direito pela USP e João Caribé, ciberativista Movimento Mega Não".

A ideia dos membros do Partido Pirata, no entanto, é excelente. Afinal, que discussões são possíveis a partir da morte de Aaron Swartz? Esse é um debate tem sido promovido com mais intensidade nos Estados Unidos, onde aqueles que conviveram com Aaron se comprometeram em manter viva sua obra. Note-se, por exemplo, a profundidade dos depoimentos dados no memorial realizado no Internet Archive, em 24 de janeiro. Em quase todas as falas, ecoa a mensagem: é preciso lutar contra as injustiças da estrutura do sistema criminal (incluindo a tipificação de condutas cyberativistas) e garantir o acesso à informação.



No Brasil, umas das poucas discussões disponíveis on-line sobre Swartz foi feita no programa Metrópolis, com o excelente professor Ronaldo Lemos, mestre em Harvard (onde estudou com Lawrence Lessig), doutor em sociologia jurídica pela USP e criador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, onde leciona atualmente.



Tanto no memorial promovido nos Estados Unidos quanto na fala de Ronaldo Lemos, há uma questão em comum: o que a opção do suicídio de Swartz revela sobre o mundo hoje? É justo que cidadãos sejam processados por longos anos e acusados criminalmente por "violar direitos autorais" ou "invadir sistemas privados"? Qual a finalidade do sistema de proteção dos intellectual property rights? Por que o interesse tão grande de corporações econômicas em limitar o poder de acesso na rede? Qual o futuro da Internet e da sociedade diante das mudanças institucionais que objetivam impedir o compartilhamento de dados e informações na rede?

É certo que essas questões já foram discutidas em excelentes livros da última década, como Free Culture (2003), de Lawrence Lessig (publicado no Brasil como Cultura Livre: como a grande mídia usa a tecnologia e a lei para bloquear a cultura e controlar a criatividade), e Direito, Tecnologia e Cultura (2005), de Ronaldo Lemos. Mas a questão é: em que ponto chegamos em 2013? Como reverter o cenário que levou à morte de Aaron Swartz?

O revoltante suicídio de Swartz serve como um grande sinal de fumaça de um cenário potencialmente perigoso neste turbulento século XXI. Como bem sintetizou o sociólogo Sérgio Amadeu, "com a morte do Aaron fica nítido o exagero e a absurda perseguição contra aqueles que compartilham e criam tecnologias de conhecimento. Ele é um exemplo claro de um desenvolvedor brilhante que tinha uma prática social intensa. O aparato repressivo, dominado pela indústria do copyright, queria fazer o que se fez com o The Pirate Bay. Ele foi acusado de uma coisa que não tinha feito. Ele é uma expressão desse enfrentamento entre as possibilidades que a tecnologia dá e o enrijecimento das práticas". Trata-se da tese apresentada no texto sobre a morte de Swartz: o sistema jurídico está sendo moldado por grupos de interesse para limitação da liberdade de cidadãos engajados com a luta de uma Internet livre. 

Essa é uma questão política que precisa ser enfrentada por todos. O debate swartziano é urgente e indispensável. Seu suicídio não ocorreu por acaso. Swartz queria nos radicalizar. É preciso agora transformar a revolta em ação coletiva, libertária, democrática e transformadora.

Se já começa a ficar claro qual o poder da mensagem de Swartz - e não é exagero afirmar que se trata de uma mensagem para toda a humanidade -, a questão então é: como agir?

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